sábado, 25 de abril de 2009

Dia da Liberdade

Dia de romaria de saudositas do 25 de Abril?
Há 35 anos estava em Paris a estudar na Sorbonne e a trabalhar para pagar os estudos, que a subvenção recebida, enquanto "étudiant patronné du Gouvernement Français", era insuficiente.
Foi o meu amigo Ribeiro, logo de manhã, a dar-me a notícia, que o Movimento das Forças Armadas, liderado pelo general Spinola, estava a tomar o poder político pela força das armas. Não dei importância à notícia; já tinha havido o golpe falhado do 16 de Março nas Caldas da Rainha.


Só reagi com alegria ao golpe militar, quando ao logo do dia e nos dias seguintes, o Le Monde, a radio Europe 1 e todos os jornais e cadeias de televisão francesas noticiaram a onda de euforia que tomava conta dos lisboetas, colocando “oeillets rouges” na ponta das espingardas, empunhadas pelos militares revoltosos. Da aliança espontânea da população com os capitães do MFA nasceria a Revolução dos Cravos!




Que resta dessa utopia? A Liberdade? Vi há dias uma foto do Otelo, um dos ícones da revolução. O rosto dele, tão diferente do jovem comandante, robusto e senhor das armas, fez-me imensa tristeza! O 25 de Abril está assim, como ele, um velho acabado! Os “filhos de Abril” são poucos e parecem ter outro tipo de preocupações.
Na manifestação gosto de manter a atitude de cientista social, de observador não participante!
Este grupo da JS, além do dos profs, era aquele pelo qual eu mais esperava! Por entre as bandeiras amarelas e mensagem revendicativa de casamentos homossexuais, esperava ver o JR, ex-aluno que, juntamente com outros colegas, levei ao Parlamento Europeu em Bruxelas. Parece que ainda vejo a alegria estampada no seu rosto por ter ouvido o discurso de Zapatero. Não o vi, fiquei triste.



Simpatizo imenso com os bascos. Foi dito há dias, pela polícia de combate ao terrorismo, que o dirigente máximo da ETA tinha estado em Portugal, para criar uma base da organização, sem sucesso. Como simples cidadão, incapaz de pagar numa arma, não acredito que os movimentos nacionalistas bascos ou galegos não tenham santuários do lado de cá da fronteira.

A independência do Sahara Ocidental, reivindicada pela Frente Polisario, será uma causa perdida? Timor-Leste teve mais sorte. Teve Clinton como presidente na Casa Branca e Portugal, antiga potência administrante, durante a ocupação indonésia manteve a chama da independência acesa nas Nações Unidas.
Marrocos ocupou o Sahara Ocidental em 1976, mas a Espanha, antiga colonizadora, e ocupando as cidades marroquinas de Ceuta e Melila, não está para levantar questiúnculas com os poderosos países árabes, por causa de um povo de nómadas.



A manifestação acabou antes das 18 horas. Fotografava o relógio na esquina da Rua da Betesga com o Rossio, quando o JR de Cascais e alguns amigos, com as bandeirinhas amarelas da JS já meio enroladas, se cruzaram comigo. Fiquei satisfeito. Nem tudo vai mal no Reino da Dinamarca!



Já há uns tempos que não passava pela Baixa pombalina. Este prédio, pintado recentemente, fica com muito charme e dá a Lisboa um ar de cidade rica e civilizada. Aos poucos está a mudar para melhor. Mas é uma pena, uma cidade tão linda continuar a ser a parente terceiro-mundista das capitais europeias.
Mas que senhor tão garrido! Repare-se no chapéu e na pêra grisalha. Será um ex-Capitão de Abril?
E aqui está o nosso querido rei Dom João I, fundador da dinastia de Avis! Pode dizer-se que Portugal é um país livre e independente graças a ele e ao seu amigo Nuno Alvares Pereira. O Dia da Liberdade de 2009 vai ficar na história da igreja católica portuguesa. Em Roma, no dia 26, foi finalmente canonizado o santo guerreiro do rei João I. Nas ruínas do antigo convento do Carmo o dia era de festa.
Uma “Conquista de Abril”
Apesar de milhares de portugueses continuarem a emigrar devido ao seu país não lhes oferecer condições de uma vida digna, Portugal converteu-se também num país imigrantes oriundos das antigas colónias africanas, do Brasil, da Europa de Leste, da Índia, do Bangladesh, etc. Um sikh paquistanês, se vender 50 cravos vermelhos, a um euro cada, ganhará o suficiente, se calhar, para sustentar a família, na província de Lahore. Os imigrantes reivindicam igualdade de direitos. Será pedir demais?

Novos alfacinhas usam carapinha

Entrei na igreja de São Domingos. Aliás, gosto de lá entrar. É um templo onde se respira espiritualidade, como no Senhor do Bonfim, na Bahia. Por fora não se faz ideia da sua grandiosidade. Feliz ideia, a de não a terem reconstruído. A violência do terramoto de 1755 está visível nas mazelas deixadas nas belas colunas, como se tivessem sofrido gigantescas marteladas.

Mas a igreja também é célebre por daí partirem para o Rossio as procissões do Tribunal do Santo Ofício, para julgar, torturar e queimar na praça pública aqueles que a Inquisição considerava inimigos da Igreja. Foram séculos de obscurantismo que privaram os portugueses de liberdade religiosa e mancharam a imagem de Portugal na Europa.
No largo, em frente à igreja de São Domingos, a comunidade marrana, nome pejorativo dado aos judeus em Portugal, mandou erguer este monumento “Em memória dos milhares de judeus vítimas da intolerância e do fanatismo religioso assassinados no massacre iniciado a 19 de Abril de 1506 neste largo.”
A Igreja Católica reagiu com um mea culpa:
"Este centro histórico de Lisboa, onde hoje fraternalmente nos abraçamos, foi no passado palco de violências intoleráveis contra o povo hebreu. Nem devemos esquecer, neste lugar, a triste sorte dos cristãos novos, as pressões para se converterem, os motins, as suspeitas, as delações, os processos temíveis da Inquisição.
Como comunidade maioritária nesta cidade, há perto de mil anos, a Igreja Católica reconhece profundamente manchada a sua memória por esses gestos e palavras tantas vezes praticados em seu nome, indignos da pessoa humana e do Evangelho que ela anuncia."
Oceanos de Paz, 26 de Setembro de 2000
José, Patriarca de Lisboa

Lisboa, Cidade da Tolerância
Mandou a CML escrever em diversas línguas, no muro do largo, receosa da imagem negativa que o monumento em memória das vítimas do massacre de 1506 poderia dar dos lisboetas aos turistas.

Três monumentos, três visões; uma certeza, a desunião na memória evocada!





Comemorar o Dia da Liberdade para quê?
Para os arredados das altas esferas do poder - minorias étnicas, religiosas e políticas; para homossexuais, imigrantes e jovens com comportamento desviante aos valores dominantes - a liberdade é um instrumento fundamental para reivindicar o direito à diferença.
Mas para que serve a existência de liberdade a um sem-abrigo deitado ao relento no Largo de São Domingos? Para que serve aos familiares das vítimas do desastre da Ponte de Entre-os-Rios, a liberdade de recorrerem à justiça se o tribunal, ao fim de tantos anos, dá como provado que não houve culpados e condena esses familiares a pagar os custos do processo judicial?





Depois da passagem pelo Largo de São Domingos, onde estará a nascer um Portugal multi-cultural, nada melhor, para terminar o Dia da Liberdade que uma ginginha, mesmo sem elas, numa das tascas do típico português pançudinho e de bigodinho.



1 comentário:

At Ento/ViverParambos disse...

Olá.
LINDÍSSIMOS estes momentos...
Que a memória seja a última coisa a acabar e por uma boa memória vale a pena continuar a utopia, é essa a mensagem que nos dá GANDHI, LUTER KING, NELSON MANDELA... e todos os PORTUGUESES que Morreram pelo sonho e lutaram pela liberdade. Olhando para trás, vemos paises novos que nos consideram irmãos, vemos pessoas novas a cantar as canções que foram "arma" vemos apesar de tudo o povo continuar a sair à rua para que a cidade sinta que deve ser dos cidadãos,apesar dos contra-tempos a democarcia deve vencer, por isso é importante a memória das portas que Abril abriu.

As nossas saudações livres solidárias e democraticamente amiga.
At Ento